O Palestra continua no Palmeiras

O nosso esportista ainda tem o mau hábito de viver de tradição.  A tradição não é uma certeza de progresso. A tradição é um culto, mas cultuar não é sinônimo completo de marchar. O culto representa um luxo, um lindo luxo de romantismo que não produz. Se a humanidade deveria viver somente dentro da tradição não teríamos o trem, o bonde, o automóvel, o avião, permanecendo  eternamente no carro de boi, no burro, no cavalo, na carruagem.

O conceito de tradição obriga o homem a manter-se na poltrona do comodismo e no chinelo da conservação. Um ser de raciocínio dentro de uma poltrona pensa, mas não age. Metido num par de chinelos, anda, mas não marcha. A tradição obriga o homem a respeitar o que foi belo, mas não o induz a conquistar o que há ainda de beleza na existência, sepultando-o a locomover-se dentro de um museu de acontecimentos já feitos, já glorificados, já ultrapassados.

No esporte, a tradição é um entrave intransponível para o progresso; há ai ainda esportistas, que não se cansam de afirmar pomposamente os maiores absurdos, em fatos de campeões nacionais, e, de fatos históricos da nossa vida desportiva. Há ainda, o exemplo, paridos futebolísticos, que, assumindo pose catedráticas, afirmam, alto e bom som, que nunca teremos um novo Friedenreich, um outro Rubens, um igual Tatá Miranda, esquecendo que temos um Leônidas um Brandão e um Jurandir. e tantos outros.

Meu preceito por conseguinte, é este: Venerar o passado cultuar a tradição, mas, marchar para frente, sempre, mesmo se é preciso esquecer o passado, e desrespeitar a tradição. Um exemplo bastante significativo nos oferece o próprio “São Paulo Futebol Clube”. O que representa o “clube mais querido da cidade”?  Uma continuação do glorioso Clube Atlético Paulistano. Se os homens que adoram o futebol do antigo Clube do Jardim América, se tivessem feito prender pelas tradições do quadro que encheu de glórias o futebol bandeirantes, e permanecessem solidários e “conservadores” na direção da sua ala diretora, de não mais se interessar do futebol, a estas horas, não existiria o “São Paulo”, e o “São Paulo”, não seria o clube que é atualmente, não teria o quadro possante que tem, e a nossa cidade não teria o motivo de ostentar um Estádio Municipal como o Pacaembu, e as bilheterias dos nossos campos, não poderiam ter os “Borderôs recordes” em fato de rendas de futebol em todo Brasil; e, os esportistas não teriam tido as emoções incríveis e fortes deste ano imperial, durante o qual se desenrolou o campeonato mais importante e mais interessante de todo o território nacional. Os são-paulinos não vivem de tradições de São Paulo província. isto é sinal de progresso, é marchar, olhar com confiança e com altivez para o futuro, constituindo toda uma altaneira e ousada conquista nacional.

Sosseguem, portanto e aceitem com serenidade os fatos, os ex-palestrinos, que agora se integraram na nova comunidade que ostenta a bandeira do “Palmeiras”, que no fundo, não representa outra coisa que uma... tradição do futebol de antanho: uma tradição que reaparece com novas luzes, com novos cimentos, com novas glórias e com novas... cores.  Se o “Palestra” foi e é o clube mais popular do Brasil, na definição integral e definitiva do velho esportista Enrico De Martino, alma de todas as tradições, mas, espírito moço de todas as evoluções, o Palmeiras que é um clube tradicional, notoriamente, continuará as..., tradições do Palestra, e se tornará, com os novos tempos e com as novas aspirações, também o clube mais tradicional do País, pois que agarrado à tradição de sempre vencer, respeitará a tradição que sempre foi o elemento forte do antigo Palestra: a vitória em todos o campos brasileiros – sociais e esportivos.

No dia 15 de setembro, logo de manhã cedo, fomos visitar em seu leito de convalescente o nosso De Martino, que há muitos meses – por uma recaída – não sai de casa, longe de toda atividade.
Fomos levar-lhes – como o fazemos quinzenalmente, nós e todos os seus amigos mais íntimos – a nossa palavra de conforto, os nossos votos de plena e rápida convalescença.

Referimos-lhe a mudança resolvida na véspera quanto ao nome do seu querido clube, de PALESTRA para PALMEIRAS.

Ele – embora muito emocionado comovido, como não podia deixar de ser – se mostrou forte e resignado e quando lhe dissemos que, agora, em vista da mudança não havia mais razão de ser a sua frase:
O Palestra continua..., exclamou sem pestanejar: 
Não! O Palestra não morreu!
O Palestra, o tradicional e velho Palestra, cheio de glórias e de louros, aposentou-se invicto, e o seu filhote, o Palmeiras surge Campeão!   
O Palestra continua no... Palmeiras!
O Palmeiras / Palestra Itália, como sempre: 
O clube mais popular do Brasil !

Vicenzo Ragognetti
outubro de 1942


Texto retirado do site Palestrinos